topo
linha2

Fotogaleria

 
» Home » Entrevistas » José Henrique Ávila Brum 1

 

De Fotografias, Cantorias e Antiguidades...

José Henrique Ávila Brum

Entrevista conduzida por: Manuel Cândido Martins
Fotos: Adiaspora.com e José Henrique Ávila Brum

14 de Dezembro de 2010

Páginas: 1 2 >>


 

Manuel Cândido Martins e José Henrique Ávila Brum

ADIASPORA.COM: Tenho aqui, na minha frente, um homem alto, de suíças fartas, cabelo grisalho, olhar de prego no olho, fala de sabor poético improvisado, um gentleman do fim do séc. XIX, que marca presença com a sua máquina fotográfica em qualquer dos lugares em que se encontre. É um grande amigo de há muito. Um dia disse-me que era descendente de gentes da ilha do Pico, da terra dos baleeiros, mas por ironia do destino, nasceu na terra dos bravos, a Ilha Terceira. Este amigo é conhecido por muita gente na Comunidade Portuguesa de Toronto. Chama-se José Brum: o homem que tira fotografias e depois, vai oferecendo o produto do seu talento artístico a todos que, de boa vontade, se deixam fotografar. Senhor José Brum, diga aqui, para os cibernautas do portal Adiaspora.com, o seu nome completo.

JOSÉ BRUM: O meu nome é José Henrique Ávila Brum.

ADIASPORA.COM: Quer falar-nos um pouco sobre o seu percurso de vida antes de emigrar para o Canadá? De onde é natural? A data do seu nascimento?

JB: Nasci na Terceira, em Angra do Heroísmo, na freguesia de Santa Luzia. Sou natural do Bairro do São João de Deus, que muita gente conhece, e fui lá criado até aos dezoito anos de idade. Actualmente, estou com 74.

ADIASPORA.COM: Como foi a sua infância? O que se lembra da Ilha Terceira dos tempos da sua juventude que seja diferente nos dias de hoje?

JB: A minha juventude passou-se da seguinte forma: comecei a escola com sete anos de idade. Estava ainda na escola quando me arranjaram um trabalho, um part-time, no Café Insular, em Angra do Heroísmo. O café, nesse tempo, era feito em casa e vendido na cidade, no café. Eu, de manhã, ia levar o café e à noite ia buscar a cafeteira para de manhã fazer o mesmo trabalho. Trabalhei uns dois ou três anos para esse patrão. Depois, fui trabalhar na Pastelaria Lusa, a ganhar mais dinheiro. Trabalhei nessa pastelaria três ou quatro anos. Já não me lembro quanto tempo ao certo. Estive lá até aos dezassete anos de idade. De lá segui para a Base das Lajes, onde arranjei emprego.

ADIASPORA.COM: Que profissão exerceu na base?

JB: Quando fui para a base, não tinha qualquer profissão. Foi lá, na base, que aprendi a minha profissão de mecânico. Havia um vizinho meu, o Senhor Faria, que estava empregado lá, no escritório. Como ele morava ao lado de minha casa, fui ter com ele um dia, para ver se me arranjava um emprego na base e ele arranjou-mo. O Senhor Faria foi falar com o Mister Ben sobre o assunto. Este disse-lhe: “Olha, por acaso temos duas vagas na oficina. Se ele quiser começar hoje a trabalhar, pode fazê-lo.” Fui tratar dos meus papéis naquele mesmo dia, arranjei então o meu contrato de trabalho e estive lá a trabalhar na oficina como 2º oficial de mecânico. O encarregado era um rapaz do Faial chamado Jaime Inácio Luís, que hoje está na Califórnia. Emigrou para os EUA por altura do Vulcão dos Capelinhos. Foi uma pessoa que teve muita consideração por mim e ajudou-me muito na mecânica. Ensinou-me muita coisa, porque era bossa (encarregado) lá e davam-lhe bons trabalhos, e lá era apreendi a profissão de mecânico. Depois, passei para a linha de desempanagem. Um dia, avariou uma camioneta nos Biscoitos, e então falaram para eu ir lá buscar a camioneta. Então, fui buscar uma bomba de gasolina ao armazém, pois podia vir a ser precisa...

ADIASPORA.COM: Sabemos que quando fui buscar essa camioneta, sofreu um grave acidente. Pode dizer-nos o que aconteceu?

JB: Posso, sim senhor. Foi muito simples. Isto foi nos Biscoitos, na Via Longa. Ao meter a bomba de gasolina, esta estava avariada e começou a verter. Meti-me entre a roda e o guarda-lamas do carro para apertar a tubo da gasolina, pois estava a derramar. Disse ao motorista, o Senhor Rodrigues: “ Pare o motor.” Depois do motor desligado, comecei a trabalhar. Apertei. Em cima da fenda do carro, estava uma lata de gasolina. “Bote o carro a trabalhar!” Ele pós o carro a trabalhar. O carregador explodiu, saltou a lata, esta explodiu e caiu para cima de mim e fiquei todo queimado! Fui parar ao hospital, mas com muitos problemas. Foi o condutor, o Senhor Rodrigues, que me levou ao hospital e pelo caminho – isto foi no dia 31 de Julho de 1955 – arrebentou um pneu no carro onde seguíamos. Este tinha um pneu de socorro, mas não tinha macaco. Foi um problema, pois não havia ninguém à volta. Era uma estrada onde se via ninguém por ali. O condutor chamou dois homens que estavam a sachar milho ali perto, para o ajudar a levantar o carro e meter o pneu. Ainda levou mais meia hora a chegar ao hospital! Lá, as enfermeiras trataram de mim. Foram buscar umas gazes especiais à base para colocar em mim. Estive no hospital, num quarto particular, uns meses, até que saí de lá para ser operado em Lisboa. Em Lisboa, fui submetido a várias cirurgias. Fiz uma operação no lado direito, onde levei 95 pontos. Fiz outra cirurgia no lado direito e esquerdo, uma na cara e uma num braço. Foram grandes operações. Estive lá muito tempo: 1957 e 1958. Depois, regressei à Terceira, e fui trabalhar para a mesma companhia, mas, desta feita, como mecânico. Nos primeiros tempos, operava uma maquinazinha que lá havia no armazém, porque tinha as mãos muito feridas e sensíveis ainda, com a pele fina. É claro, não podia meter as mãos em gasolina, não podia aleijar-me. Foi um problema grande, até que um dia, mais tarde, depois de um ano e tal, regressei à oficina de mecânica. Trabalhei nas oficinas até que um dia resolvi a minha vida e decidi estabelecer-me. Falei, certo dia, com o Jaime da oficina, que tinha uma oficinazinha. Aliás, até foi ele que me abordou. Disse-me: “Joe, porquê que não vais para a minha garagem trabalhar?” A garagem estava fechada. Essa garagem era do António Balalaika – chamava-se António Sousa Rodrigues, mais era mais conhecido por António Balalaika. Fui para essa garagem trabalhar. No início, não tinha clientes, mas com o tempo fui arranjando a minha clientela e lá fui andando. Meti-me na oficina e fui fazendo os meus trabalhos. Fazia muito trabalho dentro da oficina e fazia trabalho por fora. O Senhor Gregório Batatal, muito conhecida em Angra do Heroísmo, foi uma pessoa que me deu bastante que fazer. Tinha dois jipes e um carro e dava o trabalho de mecânica todo a mim. Quer dizer, eu pagava-lhe a renda. Foi uma pessoa que me ajudou imenso. Depois, passei a sair para fora, a fazer trabalhos para a Praia da Vitória, a fazer trabalhos particulares por as Casas, em Algualva, e nos Biscoitos. Arranjava tractores e camionetas e fazia trabalhos de serralharia. Aparecia de tudo e eu fazia. Mais tarde, empreguei duas pessoas, dois rapazinhos. Um chama-se Orlando Teixeira e o outro Manuel Teixeira. Eram dois irmãos, da Serreta, e eram muito meus amigos. Comecei a trabalhar e a construir a minha vida lá, nessas oficinas. Tinha sempre trabalho e a minha vida organizada. Um dia, ali, no Lameirinho, num arco que havia em frente ao post (correios), abri também um estabelecimento. Para além disso, tinha um terreno de renda e então, nesse estabelecimento, vendia hortaliças, vendia azeitonas, as quais eu comprava ao alqueire, no Porto Martinho, ao Messias. Enfim, fazia a mina vida. Fazia de tudo! Aos sábados, ia comprar coisas nos Biscoitos: feijão, batatas, coisas para vender lá, no meu store (estabelecimento). Mas a minha vida na garagem continuou sempre. Continuei até que, um dia, vendi a loja.

ADIASPORA.COM: É muita coisa! Tudo isso passou-se já depois de ter saído da base?

JB: Sim. Foi depois de sair da Base das Lajes que e fiz esse trabalho todo: montei a oficina, o meu estabelecimento no Lameirinho, que depois foi vendido ao Senhor João Amaral. Continuei com a minha oficina só. Não fiz mais nada.

ADIASPORA.COM: Como foi o seu convívio com os americanos na base no seu tempo?

JB: Olhe, foi muito bom. Tive muitos amigos lá, na base, entre os quais o Mister Ben e o Hernando, que era que era do Porto Rico. Tive muitos amigos na base e todos davam-me trabalho: reparações de carros. Tinha uma especialidade boa, pois arranjava transmissores. Muitos não mexiam naquilo. Eu fazia todo o tipo de trabalho de mecânica. Fazia trabalhos em transmissões hidráulicas, nas quais muitos não ousavam tocar. Havia muitos carros na cidade com transmissões hidráulicas. Quando era para as afinar, vinham todos à minha oficina. Tinha bons conhecimentos de mecânica e gostava da minha profissão. Entrosei-me muito bem naquela actividade. Trabalhei para o Henrique Sousa, trabalhei para muitos clientes...

ADIASPORA.COM: Estávamos a focar mais no seu convívio com os americanos. Disse-nos que este foi bom. Naquele tempo, os americanos faziam parte das nossas vidas, pois nos davam dinheiro a ganhar. Dizem que  os terceirenses passam nove meses do ano em festa? É verdade? Quais são as actividades que ocupam estes ilhéus nas suas horas de lazer?

JB: Não, não é bem assim. Não são nove meses, se for a contar bem. As festas da Terceira, nomeadamente as do Divino Espírito Santo, começam no dia 1 de Maio. É quando começa a tourada. Era assim, pois já estou fora há quase 46 anos, mas tenho a impressão que ainda continua da mesma forma. A primeira tourada do ano é no dia 1 de Maio, na canada de Belém. A última tourada dá-se seis meses depois, nas Lajes, a 5 de Outubro. São seis meses de festa e não nove.

ADIASPORA.COM: Em que altura decidiu deixar a terra natal e emigrar para o Canadá? O que determinou esta sua decisão?

JB: A minha decisão de emigrar prendeu-se também como o facto de, na altura, haver já pouco trabalho. Estava com vontade de emigrar e, um dia, falei com o António Diodato Ferreira, que era empregado da SATA e uma pessoa muito minha amiga. Foi ele que me disse: “ Oh Brum, por que não vais até ao Canada?” Ele escreveu uma carta por mim para o Canadá, para eu emigrar. Ele escreveu e depois mandaram-me chamar e fui a São Miguel fazer uma entrevista. Não vim na primeira leva, mas depois, na que estava prevista para o ano de 1963. Já o inspector imigração não era o mesmo. O primeiro com quem eu tive contacto foi o Rainer Marlow, que foi posteriormente substituído pelo Mr. Smith. Esse, então, é que mexeu os papéis e que me disse que estava tudo apostes para eu vir para o Canadá. Tratei da papelada em São Miguel. Tratei de tudo, comprei a minha passagem e vim para o Canadá. Cheguei a este país, no dia 18 de Junho de 1965. Era para ter vindo em 1963, mas acabei por chegar só em 1965. Na primeira leva, vieram 42 emigrantes. Das pessoas que viajaram comigo, a maioria ficou em Montreal e só eu vim para a cidade de Toronto. Não sei porquê, mas só eu sozinho é que vim parar a Toronto.

ADIASPORA.COM: Fale-nos um pouco sobre os seus primeiros tempos como imigrante no Canadá? Onde se radicou e onde trabalhou?

JB: Olhe, cheguei aqui e a primeira coisa que me aconteceu quando desembarquei foi encontrar uma pessoa do Ilha do Faial. Não era meu amigo, mas falou comigo no aeroporto de Toronto. Perguntou-me o que fazia, em quê que trabalhava. Disse-lhe que era mecânico de profissão, ao qual me respondeu: “Então tenho trabalho para você!” Isto no aeroporto. Arranjou-me o meu primeiro trabalho, e só depois é que arranjei cama para dormir (um quarto). Alojei-me numa casa em Denison Road, mas estive lá só uma semana. O meu primeiro emprego no Canadá foi numa gas station (bombas gasolineiras). Estive lá pouco tempo, uns quatro ou cinco meses. Depois arranjei colocação através de um rapaz que anda por aí ainda e que se chama António Teixeira. Este trabalhava na International. Arranjou-me um emprego nessa mesma empresa, fiz a aplicação (candidatura) e fui para lá trabalhar.

ADIASPORA.COM: Quando cá chegou, como encontrou a comunidade portuguesa?

JB: Na Comunidade Portuguesa de então, encontrei muito amigos. Amigos bons como Donaldo Couto e Oldemiro Reis. Pessoas que eu conhecia nos Açores. Encontrei muita gente boa. Não tenho nada a dizer deles. Foram pessoas que me acarinharam e ajudaram na minha vida. Para tudo que eu precisasse, estavam sempre prontos.

ADIASPORA.COM: É consabido que tem três grandes paixões: a arte repentista, nas vertentes da cantoria e do poetar espontâneo; a fotografia e coleccionar fotos antigas, e ainda, coleccionar artefactos antigos de interesse etnográfico. Quando despoletou em si o interesse por estas manifestações da cultura popular? Comecemos pela fotografia.

JB: Fui sempre muito interessado pela fotografia e colecção de coisas antigas. Faço colecção de tudo! Já faço fotos há muitos anos. Ainda faço e continuarei a fazer. Gosto muito de fotografias antigas. Gosta de tirar fotografias de pessoas, mas o que mais gosto de fotografar são casas, carros e coisas antigas. Sou um apaixonado da fotografia. Gosto muito de tirar e oferecer fotos. Quando saio para fora, tirou fotografias em muitos lugares, principalmente a tudo que seja antigo, por exemplo, um automóvel antigo, uma carroça, enfim, tudo que seja antigo. Quando saio de casa, aqui em Toronto, já sei para onde vou fotografar, por exemplo, buildings (edifícios)antigos. Gosto muito da fotografia a preto e branco. E a minha grande paixão! Uma outra paixão minha são as cantorias. Nas minhas idas à Terceira, já cheguei a gravar desde a primeira cantoria até a última da época. Cheguei a gravar setenta e poucas cantorias. Gosto e ainda hoje vou para onde as há! Sou muito amigo dos cantadores e já trouxe alguns aqui, a Toronto. Não trago mais, porque a minha saúde não está boa agora, para que possa meter-me nestes assuntos das cantorias, mas gostava e continuo a gostar muito de cantorias. Tenho paixão por elas. Trouxe cantadores lá, da Terceira. Gosto muito da cantoria, porque andei lá, pelos Impérios do Divino Espírito Santo. Estive envolvido no Império do Lameirinho por duas vezes. Andei sempre nas cantorias. Gosto imenso!

ADIASPORA.COM: Esteve, e ainda continua envolvido na promoção de cantorias no Ontário, tendo sido instrumental, ao longo dos anos, em trazer cá cantadores repentistas de alto gabarito. Qual é o encanto da cantoria para si?

JB: Como já disse, gosto muito de cantorias. Ouço-as todos os dias, tanto em gravações áudio como audiovisuais! Gosto de apreciar. Todos os dias, de manhã, quando me levanto e tomo o café, oiço uma ou outra gravação. É pena não poder trazer mais cantadores aqui, pois temo-los bons lá, na Terceira. Para mim, todos os cantadores são bons. Há-os em São Miguel, São Jorge, em todas as ilhas açorianas existem bons cantadores. Só precisava de fazer uma colecção de gravações se as pessoas se interessassem mais, mas hoje já pouco posso fazer disso.

ADIASPORA.COM: Pode informar-nos de alguns cantores com quem conviveu e que visitaram estas terras?

JB: Sim. Gostava muito da Terlu, que foi minha vizinha, assim como gostava de ouvir o José de Sousa Brasil, o Charrua, por cuja cantoria tenho grande paixão. Gostava de ouvir o Gaiatada, outro grande cantador, o Caneta, o Ferreira, o Abel, todos eles grandes cantadores, cantadores bons, cantadores valentes! Gostava muito de ver a Terlu actuar com o Charrua. Era a minha paixão! Eu ia longe para os ver. Enchiam os terreiros da Terceira! Quando eu ia para o Raminho e o Ramo Grande, encontrava sempre os terreiros cheios. Com a Terlu e o Charrua, estava sempre o terreiro cheio!

 

Páginas: 1 2 >>

Voltar para Entrevistas

bottom
Copyright - Adiaspora.com - 2007